O vinho brasileiro, reconhecido internacionalmente pela sua qualidade, é assunto de interesse de viticultores, pesquisadores, cientistas e profissionais da área da saúde. Diversas análises, que envolvem desde os processos de fabricação e reações químicas até a dosagem ideal para consumo, são realizadas com o fim de encontrar respostas concretas sobre como o vinho incide na vida de seus consumidores. Indústrias e pequenos empreendedores buscam alternativas que adotam a implementação de medidas de menor impacto para o meio ambiente, assim como para o consumidor. Além de ser capaz de conquistar o paladar com notas marcantes e equilíbrio nos sabores, o vinho deve obter o apreço dos consumidores por não deixar lacunas quanto à saúde, natureza e bem estar. 

Dos encontros de família às datas comemorativas, as taças sempre estão a postos para a degustação de um bom vinho. Especialmente no Rio Grande do Sul, um dos maiores produtores do país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Vinhos (Ibravin), a produção do estado gira em torno de 400 milhões de litros por ano (considerando todos os produtos derivados da uva), tendo como maior consumidor o estado de São Paulo, seguido do próprio Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, respectivamente. O diferencial dos vinhos gaúchos, assim como a qualidade destes, traça um gráfico crescente na economia do estado, e a cada ano é possível perceber que se ganha mais uma parcela do mercado. Neste ano, algumas projeções positivas, como a maior safra da história do estado, podem impactar os resultados de 2018, gerando maior retorno capital em um futuro próximo. “A safra 2015/2016 foi marcada por condições climáticas desfavoráveis, com geadas tardias e queda de granizo que ocasionaram uma redução de 57% em relação à média dos anos anteriores. Na safra 2016/2017 as condições do clima foram muito favoráveis, com bastante frio no inverno, chuvas bem distribuídas na primavera e pouca chuva na maturação das uvas, culminando com uma colheita superior a 750 milhões de kg processados na elaboração de vinhos, sucos e derivados”, relata Leocir Bottega, enólogo e diretor técnico do Ibravin. 

Embora o ano tenha sido marcado por uma boa safra, acima do estimado no ano anterior e capaz de recuperar os estoques afetados em 2016, algumas dificuldades seguem alarmando os profissionais da área. “Neste ano estamos presenciando redução no mercado, principalmente em função da crise política e econômica que se observa no País. O primeiro quadrimestre de 2017 ficou em média 18% abaixo do mesmo período de 2016, e 2016 já foi negativo em relação a 2015. Estamos na expectativa de recuperação no segundo semestre deste ano, visto que recuperamos os estoques com produtos de excelente qualidade”, aponta Bottega. Apesar de empecilhos estruturais que atingem o setor da viticultura, uma das soluções pode ser se reinventar e apostar em mudanças, aliando os desejos dos consumidores com novas tecnologias e técnicas que acarretam em maior segurança para quem maneja os processos de produção, assim como para o ambiente e o consumidor. Bottega também afirma que neste ano não é possível destacar uma única tecnologia específica, mas que os enólogos (profissionais responsáveis pelo processo produtivo na indústria vinícola) estão em constante atualização. “O vinho e o suco de uva já estão consagrados como bebidas saudáveis, todos os anos surgem novos estudos científicos que comprovam seus benefícios. Recentemente o III Simpósio Internacional Vinho e Saúde foi palco das últimas novidades nesse sentido”, afirma. 

Um brinde à saúde 

Quanto aos aspectos ligados à saúde e ao consumo consciente, profissionais de diversos ramos dedicam o seu tempo e trabalho buscando soluções e elucidando pontos importantes sobre os temas relacionados ao vinho. Estudos como o da gaúcha Caroline Dani comprovam que os principais derivados da uva, como o vinho e o suco, são aliados da saúde. Pesquisadora da área e coordenadora do Mestrado Acadêmico em Biociências e Reabilitação do Centro Universitário Metodista – IPA, Caroline expõe: “O vinho e uva foram estudados principalmente por terem uma ação de proteção cardiovascular, em função disso, por terem uma capacidade vaso dilatadora, auxiliarem na redução de formação de trombos, de pressão arterial. Já foi mostrado que eles também melhoram a cognição e a memória, e previnem a aparição de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Eles também podem, como no caso do suco de uva, melhorar a performance de atletas por seu poder ergogênico”. 

A dosagem diária recomendada de suco de uva é de aproximadamente 400 a 500 ml para adultos, enquanto para crianças é de 200ml. No caso dos vinhos, os parâmetros são de 150 ml a 200 ml para mulheres e de 300 ml para homens. Em relação à presença de álcool nos vinhos, é imprescindível a dosagem certa e moderação em seu consumo. “No suco há o carboidrato, mas o que a gente tem visto é que tanto o suco quanto o vinho modulam muito bem parâmetros lipídicos, reduzindo o colesterol, aumentando o HDL, reduzindo triglicerídeos e glicose, melhorando o aproveitamento da glicose também. Então a gente tem que ter cuidado só com a questão do álcool, principalmente, pois existem alguns estudos já relacionando a presença do álcool com o aparecimento de câncer”, complementa Caroline. 

Conforme o relato da profissional, os benefícios do consumo de vinhos e, especialmente, de sucos de uva, se atribui aos compostos fenólicos, que são substâncias bioativas produzidas pela videira e concentradas na casca e na semente das uvas. “Quando elaboramos o suco ou vinho, transferimos esses compostos fenólicos para as bebidas. É reconhecido que o processo de vinificação e de produção de suco faz com que apareçam outros polifenóis, que não estariam presentes na uva. A estes compostos fenólicos que são atribuídos os benefícios. Entre os compostos os mais famosos são a catequina e o resveratrol”, explica. Esses compostos estão presentes em vinhos brancos, tintos e sucos de uva, variando suas quantidades e composição devido à vinificação. 

Novas formas de produção e os impactos do consumo consciente 

Neste ano, temáticas relacionadas à produção orgânica e biodinâmica tiveram repercussão na mídia gaúcha. Formada em Enologia e Viticultura e integrante da Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul (ABDSUL), a especialista em agricultura, Deise Pelicioli, revela que a “onda” de aparição do tema se deve ao momento social em que vivemos, quando as pessoas estão despertando a consciência para questões ambientais e de saúde. “As pesquisas sobre os efeitos terapêuticos dos vinhos, quando consumidos com moderação, estimula o interesse na bebida. As pessoas se deram conta que na produção da uva são usados agrotóxicos. Que o vinho gera benefícios para a saúde, mas junto há esta dose de veneno gerando malefícios. Então o olhar para orgânicos e biodinâmicos só aumentou”, afirma. 

A agricultura biodinâmica iniciou no Brasil há 50 anos, na cidade de Bocatu, em São Paulo. Hoje o sul do país tem o maior produtor biodinâmico por hectares. Sendo referencia nacional e conhecido internacionalmente, o arroz Volkmann, de Sentinela do Sul, é destaque dentro da indústria alimentícia. No estado existem varias regiões com produção biodinâmica, tendo principal foco em Pelotas, Santa Maria, Montenegro, Litoral Norte, Serra Gaúcha e Região da Campanha. A produção biodinâmica trabalha intensivamente os processos biológicos por meio de práticas comuns à agricultura orgânica, como, por exemplo, não utilizar agrotóxicos, a adubação verde, a compostagem, o consórcio e rotação de cultivos, a agrossilvicultura e a cobertura de solo. Por isso pode-se dizer que a biodinâmica é um passo além da produção orgânica. “A agricultura biodinâmica tem como objetivo a transformação da propriedade numa espécie de organismo agrícola, ou seja, um local onde vários componentes, tais como área de produção vegetal, criação animal, florestas, mananciais, cercas vivas, corredores de fauna, dentre outros, venham a se integrar da melhor forma possível”, resume Deise. Outro dos aspectos cruciais deste tipo de produção é a consideração quanto às influencias dos astros, através do uso do calendário astronômico agrícola e dos preparos biodinâmicos. Estes preparos são “homeopatias”, remédios feitos de ervas medicinais que são utilizados na busca do equilíbrio do solo. Como o austríaco Rudolf Steiner, fundador do movimento biodinâmico, afirmava: “da vivificação do solo”. 

Na biodinâmica não só a propriedade, mas os animais e as pessoas integram a individualidade agrícola. Este fator influencia diretamente na relação do produtor com o produto final, sendo capaz de atingir níveis mais elevados de compreensão quanto ao solo, plantas e conjunto nas quais se desencadeiam todos os processos até que o vinho seja consumido. Os impactos positivos estão também nas questões de sustentabilidade. Como menciona Deise, a prática é mais efetiva, pois se busca equilíbrio da propriedade como um todo, não apenas na produção. “As vantagens são muitas, busca-se que tudo que se necessite seja retirado e produzido na propriedade, gerando mais sustentabilidade e auto-suficiência para o produtor, que não necessita comprar insumos de fora, ele mesmo pode produzir o que necessita. Sem falar que esta produção ajuda a curar a terra de toda poluição que vem sofrendo há anos”, defende. 

De acordo com Deise, a demanda por vinhos biodinâmicos e orgânicos vem aumentando consideravelmente, fazendo com que a maioria das importadoras apresentem em seus catálogos um setor dedicado a orgânicos e biodinâmicos. “O consumo cresce muito, mas devido à pequena produção biodinâmica de vinhos nacionais os consumidores acabam comprando importados”, evidencia. Apesar da busca, a falta de oferta faz com que muitos conheçam este tipo de produto apenas no exterior, onde há maior infraestrutura e investimento nestas práticas. “Nossos vizinhos argentinos e os chilenos tem uma produção de orgânicos e biodinâmicos mais estruturada, com mercado exportador. Em congresso no Chile, no ano passado, percebemos que muitos estão ampliando a produção e convertendo o que já é orgânico para biodinâmico. Estamos torcendo para que este movimento biodinâmico que esta acontecendo de forma bastante crescente em nosso pais e principalmente no RS venha para se consolidar e ficar nos hábitos alimentares dos consumidores”, ressalta Deise. 

Para as pessoas que consomem os benefícios de buscar uma nutrição integral, dos corpos, físico, vital e anímico, ou seja, alimentando corpo, alma e espírito, a biodinâmica se apresenta como uma solução ideal. “Referente à saúde, os alimentos biodinâmicos possuem mais energia vital, já foram feitos diversos testes de cromatografia que comprovam que estes alimentos possuem mais vitalidade do que os orgânicos”, assinala Deise. Caroline complementa explicando que os produtos orgânicos são teoricamente mais benéficos para saúde pela ausência de agrotóxicos e pelo maior nível de polifenóis, embora os polifenóis a mais não sejam necessariamente absorvidos pelo organismo. A pesquisadora atenta para a importância de um bom controle e cuidados com estes alimentos, evitando casos como o de fermentação do suco de uva. “O orgânico é um produto sim mais saudável, mas quando a gente vai verificar no modelo biológico se ele tem efeito similar ou não ao convencional, por muitas vezes o efeito é bastante similar com o convencional. Com relação aos produtos biodinâmicos, eles ainda são pouco estudados, não existe estudo nenhum que fala em relação à composição fenólica”, considera. 

A produção de vinhos e orgânicos do RS é expressiva. O setor cresce a cada ano, e tem como resultado hoje um consumo maior de vinhos orgânicos e, especialmente, de sucos de uva orgânicos. A busca dos consumidores por estes serviços pode ser a chave que falta para que o setor se consolide desta forma no estado, apesar das barreiras que ainda existem, dificultando o trabalho dos produtores. “O entrave é que as uvas para esta produção ainda são de uvas comuns, que são para sucos ou vinhos comuns, e o mercado prefere vinhos finos. E aqui esbarramos na questão climática, já que estas variedades apresentam mais fragilidade aos ataques de doenças. Por isso os produtores orgânicos apostam nas uvas americanas que são mais resistentes, mas isso vem sendo aos poucos mudado, devido a estes projetos com viticultura biodinâmica e também a busca de outras regiões do estado para produção como por exemplo na Campanha, na região de Encruzilhada e Caçapava do Sul e na Região Central, em Santa Maria e arredores. Neste quesito Santa Catarina esta na frente, possui vinícola certificada com o selo internacional Demeter de produção biodinâmica e tem vários produtores implementando vinhedos biodinâmicos”, relata Deise. 

Quantos aos empecilhos no método de produção, a profissional assinala que não é necessária maior sofisticação para que uvas orgânicas e biodinâmicas sejam produzidas, mas que o processo organização de tempo e exige mais mão-de-obra. “Quando se coloca na balança, os custos da biodinâmica e da orgânica são mais lucrativos, mas demandam mais atenção do viticultor nas atividades de manejo, como dinamizar um preparo. O maior desafio é o clima. O excesso de umidade faz com que existam mais fungos, e quando a propriedade esta em fase de conversão, ou melhor, de desintoxicação de tanto veneno, a terra esta desequilibrada, precisando se restabelecer, e isso faz com que ataques de doenças apareçam. O produtor, com medo de perder tudo, volta para os venenos. Mas já é comprovado que quando se consegue reequilibrar a terra ela também passa a responder melhor aos preparados e não sofre com os fungos. Claro que esta transição é o período mais complicado, mas todos que superaram não estão arrependidos e hoje colhem os benefícios de uma produção limpa”, elucida. 

As novas formas de produzir, compreender o alimento e consumi-lo ditam muito sobre novos comportamentos e tendências para o futuro. Estes podem reduzir e até mesmo apaziguar danos que vem sendo causados à saúde e ao meio ambiente. No Brasil, país capaz de se reinventar a partir de suas fontes naturais e ocupar relevantes posições no cenário mundial, este tipo de debate representa um avanço significativo. “Um dos maiores desafios do setor é ser competitivo no mercado, temos um custo tributário que está entre os maiores do mundo, enquanto que outros países estabelecem políticas públicas de incentivo à produção de vinhos por considerar uma atividade resultante da agricultura e um alimento saudável”, comenta Botegga. Além destas questões, é preciso se adaptar às novas demandas que a sociedade reivindica. Nesta busca pela excelência, que envolve produtos e formas de produção mais saudáveis, profissionais e instituições como a ABDESUL visam proporcionar vivências e trocas, fomentando o setor e projetando um futuro com responsabilidade. Deise lembra que é necessário vencer os desafios culturais, quebrar a barreira do comodismo, representada também pelo uso de venenos. E como finaliza Caroline: “O importante é que o vinho tenha qualidade, segurança (que não tenha nenhum tipo de contaminante), e que ele seja fiel a uva que da origem a ele. O importante é saber consumir de forma moderada um produto bem elaborado”.

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