VINHOS: da uva à harmonização final

 

 

Vinda da parreira – também chamada de videira ou vinha – a uva é uma das frutas mais tradicionais e presentes no cardápio de grande parte da população. Seu cultivo teve início cerca de sete mil anos atrás no Oriente Médio.  Já no Brasil, a fruta começou a ser cultivada nos anos 1500, trazida pelos portugueses colonizadores. No Sul do Brasil e em São Paulo, a imigração deu um grande impulso na produção durante o século XIX e se estendeu até hoje de forma grandiosa. Hoje, o Rio Grande do Sul é um dos principais produtores de uvas e seus derivados no país, contando com grande número de exportações para o mundo inteiro. Além de ser um grande exportador, o Brasil vem se tornando um importador ativo de uvas chilenas, americanas e argentinas, conquistando um importante e novo mercado.

Em seus cachos crescem de 15 a 300 frutas que podem ser pretas, amarelas, vermelhas, rosas, verdes, laranjas e azul-escuras. As antocianinas e polifenóis são os pigmentos responsáveis pelos diferentes tons. Hoje existem mais de 10 mil variedades de uva, que se adaptam a diferentes tipos de clima e solo, tornando-se assim, uma fruta cultivada em quase todas as regiões do planeta. Essas diferenças no solo e clima são os principais fatores que interferem no sabor, formato, acidez, doçura, quantidade de sementes, etc. Sua polpa mastigável, de sabor variável, pode conter até quatro sementes (existem também as espécies sem sementes, muito apreciadas no consumo direto por sua praticidade). É uma fruta que não amadurece depois de colhida, portanto deve ser colhida no momento certo de sua maturação.

Com relação aos benefícios para o organismo, a uva tem grande destaque. Rica em vitamina B e C, a fruta ainda detém grandes quantidades de cálcio, ferro e potássio e é considerada muito benéfica para o coração, por ser rica em antioxidantes, que ajudam na redução do processo de oxidação do mau colesterol. “Resveratrol e quercetina são os flavonoides, que atuam como um poderoso antioxidante. Os flavonoides ajudam na proteção das paredes arteriais” explica a nutricionista Luana Lopez. “Além disto, a uva ainda auxilia na prevenção da constipação, pois contém ácido orgânico e celulose, além de conter fibra dietética que auxilia na limpeza do trato intestinal”, acrescenta. Além de suas atuações benéficas físicas, a fruta pode ser considerada uma grande aliada da saúde cerebral, como exemplifica Luana ”A uva pode auxiliar na prevenção da doença de Alzheimer. O Esveratrol encontrado nas uvas pode ajudar no retardamento do processo de danos em células do cérebro, bem como os danos que ocorrem devido aos radicais livres.” De acordo com a nutricionista formada pela PUC-RS, a melhor maneira de consumi-la é na sua forma natural, com cascas bem higienizadas, agregando todas as fibras existentes.  Além de seu consumo básico, a fruta é comumente utilizada para produção de sucos, geléias, sorvetes, vinhos, passas e outros. A levedura – que resulta na produção de bebidas alcoólicas, como o vinho - é um dos primeiros microorganismos conhecidos pela humanidade e acontece naturalmente na casca da uva (falaremos disto mais a baixo).

A uva é uma das frutas que exigem maiores investimentos e mais gente capacitada em sua produção. O processo envolve riscos, porém alta lucratividade. Existe uma série de fatores que afetam em seu desempenho de produção e devem ser destacados: espaço e condições do local; preço do produto; variedade; incidência de praga; custos de produção, etc. Para consumo direto, os cachos devem ser atraentes, com boa conservação, sabor agradável e precisam ser resistentes ao transporte. O tamanho médio do cacho é de 15 a 20 cm e seu peso acima de 300 gramas.

Bebida alcoólica, feita a partir de uma fruta popular, que possui diversos tipos e é apreciada por muitos – principalmente no inverno. Não é preciso muito para descrever o bom e querido vinho. Independente de sua densidade, cor, acidez ou país de produção, esta bebida histórica faz parte do cardápio de muitos, há muito tempo. Sua grande importância histórica e religiosa acompanhou diversos períodos da humanidade em diversas culturas. Cada uma explica seu surgimento de uma maneira diferente. Os cristãos crêem que Noé plantou um vinhedo e produziu o primeiro vinho do mundo; já os gregos consideravam a bebida uma dádiva dos deuses. Historicamente falando, precisar sua origem exata é impossível, pois o vinho surgiu antes mesmo da escrita. Os enólogos - maiores responsáveis pelo vinho – afirmam que a bebida surgiu por acaso, provavelmente por uma quantidade de uvas esquecidas e amassadas em algum recipiente que sofreram a fermentação.  Fato é que esta bebida – criada acidentalmente ou não – está presente na história da humanidade, geralmente de maneira positiva.

 A PRODUÇÃO

No Brasil, os vinhedos – grandes plantações de videiras – tiveram o início de seu cultivo no começo do século 20, especialmente por imigrantes alemães e italianos no sul e sudeste do país. Atualmente no Rio Grande do Sul, as cidades que se destacam por seus vastos e numerosos vinhedos são Bento Gonçalves, Flores da Cunha, Garibaldi, Caxias do Sul e Santana do Livramento. De lá saem os vinhos (e sucos naturais) mais conhecidos e apreciados do país que se espalham por outros estados e são exportados para diversos países.

Em sua forma básica, a produção é simples e ocorre através da fermentação natural. A fermentação alcoólica é uma reação química realizada por micro-organismos chamados de leveduras. As leveduras são as responsáveis pela transformação do açúcar presente no suco da uva espremida em álcool etílico (etanol) em uma reação que pode levar de três dias a três semanas. Portanto, quanto mais doce for a uva, maior teor alcoólico terá o vinho. No caso do vinho, o etanol faz parte de 7 a 24% da bebida - dependendo do tipo de uva e região. Já a água representa de 85 a 90% do líquido. Além do etanol, o vinho apresenta outros alcoóis em sua composição: metanol, isopropil, entre outros, em menores porcentagens. Após o processo de fermentação, a bebida pode ser maturada ou não – durante meses ou até anos.

TIPOS DE VINHO

Com relação à cor, podem ser:

Tintos: Produzidos a partir de uvas tintas, suas diferenças de tom dependem do tipo de fruto e tempo de maturação, variando de vermelho escuro, quase preto até o vermelho mais claro. São os mais consumidos no Brasil.

 Rosados: Também produzidos com uva escuras, porém, as cascas que dão pigmentação são separadas após breve contato. Uma das regiões mais famosas do mundo que produz esse vinho é a Provence, na França;

Brancos: São feitos a partir de frutas brancas ou tintas, porém, a fermentação acontece após a separação das cascas. É um vinho leve e refrescante, bom para consumo em dias quentes.

 Com relação à classe, podemos classificá-los:

De mesa: Possui graduação alcoólica de 10° a 13° G.L. Estes são chamados de Vinhos Finos ou Nobres, Especiais, Comuns e Frisantes ou gaseificados;

Leves: Têm graduação alcoólica de 7° a 9,9° G.L;

Champanhes: É o espumante, que resulta de uma segunda fermentação alcoólica com graduação de 10° a 13° G.L;

Licorosos: São doces ou secos, com graduação alcoólica de 14° a 18 G.L. Podem ter álcool potável, mosto concentrado, caramelo e sacarose adicionados;

Compostos: Têm graduação alcoólica de 15° a 18° G.L, obtidas pela adição de macerados e/ou concentrados de plantas, substâncias de origem mineral ou animal, álcool potável e açúcares.

Referente ao teor de açúcar:

Secos: Com até 5g de açúcar a cada litro;

Demi-sec: Possuem de 5 a 20g de açúcar por litro;

Suaves: Mais de 20g por litro.

Com relação ao tipo da uva, podemos destacar alguns:

Cabernet Sauvignon: Vinho tinto encorpado e intenso. Teve origem na França e hoje é produzido em diversos países;

Merlot: Vinho tinto um pouco menos encorpado e com maior aroma frutal. Também de origem francesa;

Malbec: Tem maior envelhecimento em madeira e é um vinho encorpado com sabor intenso. Sua origem também é francesa;

Tannat: É considerado o vinho emblemático do Uruguai. Tem sabor e coloração intensa e se for envelhecido em barrica de carvalho, seu sabor torna-se mais suave;

Pinot Noir: É um vinho leve, encorpado e com acidez acentuada. Ainda é pouco cultivada no Brasil e tem grande destaque na produção Francesa, Chilena e Italiana. Pode ser usado como vinho base para elaboração de champanhes e espumantes.

Porto: De origem portuguesa, o Vinho do Porto é um dos mais conhecidos dos “vinhos fortificados”. Tem alto teor alcoólico, pois passa pela adição de aguardente em sua produção. É possível encontrar uma grande gama de vinhos do Porto, se diferenciando em aroma e sabor dependendo do tempo e tipo de envelhecimento que passou;

Chardonnay: É feito com uma das uvas brancas mais nobres para a produção de vinho. Dentre os vinhos brancos, é um dos mais encorpados e de sabor marcante.

MEDICINA

Não é novidade que o consumo de vinho – desde que de maneira moderada – traz benefícios para o organismo.  É possível ver efeitos na saúde mental, proteção contra certos tipos de câncer, melhora da saúde mental, para a saúde do coração, na redução de riscos de desenvolver diabetes e na redução dos sintomas da depressão.  Na história, o uso do vinho na medicina é retratado desde 1900 a 1200 anos a.C. Receitas médicas escritas em papiros encontrados no Egito citam o vinho como indicado para asma, constipação, epilepsia e depressão.

De acordo com a nutricionista Luana Lopez, o consumo do vinho tinto, por conter 10 vezes mais polifenóis – substâncias benéficas - que o vinho branco, pode conter mais benefícios para o organismo.  Isto se deve ao fato de o vinho tinto ser macerado junto com as cascas durante semanas, diferente do vinho branco. Polifenóis são substâncias químicas resultantes dos processos metabólicos que as plantas passam. “Estas substâncias, quando ingeridas, agem inibindo a formação de placas de gordura, reduzindo inflamação, ajudando a diminuir a pressão arterial, reduzindo a oxidação de lipídios e aumentando a capacidade vasodilatadora, além de ativar a produção de proteínas“, acrescenta Luana.

VINHO E COSMÉTICA

Estes benefícios já comprovados para o organismo chamaram a atenção de uma das indústrias que mais vem crescendo no Rio Grande do Sul e no Brasil. O mercado da Cosmética vem se aprimorando e ganhando cada vez profissionais capacitados. No quesito inovações, a uva e seus derivados estão ganhando espaço nos produtos cosméticos. Existem empresas que lançaram linhas inteiras baseadas nestes insumos, outras, utilizam pequenas partes para compor seus produtos e obter os resultados desejados.

A vinhoterapia – tratamento com cremes, géis ou líquidos compostos de uva e vinho – promove efeito desintoxicante, clareador, nutritivo, renovador e revitalizante, em função dos polifenóis.  Atualmente, este tipo de tratamento também é aplicado como redutor de medidas. Aplica-se vinho quente junto com outros ativos sobre o corpo, causando a termogênese (quando o organismo tenta manter o equilíbrio térmico), incentivando a queima de gordura e consequentemente a diminuição de medidas.

O ENÓLOGO

A enologia, ciência responsável por tudo que está relacionado à produção e conservação do vinho, é moderna e interdisciplinar e foi regulamentada no Brasil em maio de 2007. Os profissionais transitam por diversas áreas como a Química, Geologia, Botânica, Fisiologia, Física, etc. Para exercer o trabalho na Enologia, é necessário, de acordo com a LEI Nº 11.476 DE 29 DE MAIO DE 2007, que o profissional possua diploma de nível superior em Enologia ou Técnico em Enologia, possuindo diversas atribuições na profissão. O enólogo é o principal responsável pelo vinho. Seu trabalho está na coordenação, supervisão e execução de todos os processos de produção. Faz vistorias, perícias, elaboração de pareceres, laudos e atestados relacionados à área da Enologia. Faz toda análise química e físico-química, químico-biológca, bromatológica e toxicológica, além do controle de qualidade das vinícolas.  Entre diversas outras atribuições, o profissional também faz parte de produção, tratamentos prévios e complementares de resíduos e produtos. Em algumas vezes, ele também tem papel de vendedor, por seu vasto conhecimento do vinho produzido.

A primeira escola de vinicultura e enologia surgiu na Itália em 1876, e, em 1891, um dos formandos dessa escola fundou a Sociedade dos Enólogos Italianos, chamada hoje de Associação Enológica e Enotécnica Italiana. Apenas em 1912 nasceu Emile Peynaud, francês conhecido como “pai da enologia moderna”. Ele faleceu em 2004 deixando de legado sua vasta obra revolucionária para as técnicas de vinificação Além de trabalhar como professor, Peynaud era consultor de várias vinícolas, por exemplo, a Château Margaux.

HARMONIZAÇÃO

Para se certificar de que o vinho está apto para consumo, o Supervisor On Trade da Vinícola Aurora, Eduardo Tartaro, explica alguns pontos importantes, “Devemos avaliar a rolha quando abrimos o vinho, examinando se a mesma não se encontra rachada ou com odor que não seja agradável. Outro fator importante é analisar a coloração do vinho e para isso é importante saber que os vinhos brancos escurecem com o tempo e os tintos clareiam. Se ao abrirmos um vinho branco, por exemplo, que no rótulo conste a safra do ano anterior, é de se esperar que esse vinho ainda esteja jovem e, portanto, a coloração esperada é um tom amarelo claro. Se este vinho apresentar um tom quase dourado, sendo que tem apenas um ano de garrafa, pode ser um sinal de que esteja oxidado ou a caminho da oxidação. No caso do vinho tinto, em linhas gerais, se com um ou dois anos de garrafa ele apresentar um tom acastanhado, é sinal de oxidação precoce e, portanto, não estará em sua melhor forma para consumo. Mesmo que não estragado, em estágio avançado de oxidação visível pela cor ele não estará saboroso, agradável ao paladar”. Além das questões visuais, a sensibilidade olfativa é ponto determinante, “também conseguimos perceber essa oxidação, assim como a presença de algum fungo que teria atacado sua rolha. Esse vinho terá aromas desagradáveis de bolor, que de fato chamarão a atenção”, acrescenta.

O vinho, quando consumido sozinho, já é apreciado por muitos e considerado como a melhor das bebidas alcoólicas. Quando associado a algum alimento – da maneira correta – esta experiência torna-se ainda mais intensa e interessante. Com o avanço das tecnologias em todos os campos, os alimentos ganharam novos temperos, texturas e sabores diferenciados. Da mesma maneira, o vinho vem evoluindo e tornando-se ainda mais especial. Existem regras que podem – ou não – serem seguidas para se conseguir excelentes combinações. Cláudio Klein, especialista em especiarias e harmonizações, explica que os alimentos interferem diretamente no sabor do vinho, “Por exemplo, quando acompanhado de um prato salgado, a bebida se torna mais agradável ao nosso paladar, o vinho fica mais rico, menos amargo e menos ácido”, cita. Cláudio, que também é proprietário de uma loja de produtos gourmet localizada na zona sul de Porto Alegre, explica que a presença de acidez na comida também pode ser benéfica para a harmonização, pois equilibra com a acidez do vinho, tornando-o suave ao paladar. “Já a o degustar uma sobremesa temos que cuidar, pois o açúcar mascara o vinho seco –por exemplo –, tornando-o mais amargo. Para harmonizar pratos doces, o ideal é que o vinho tenha um nível mais alto de açúcar”, acrescenta.  Para aqueles que não possuem muito conhecimento com relação às possíveis harmonizações, Cláudio sugere que consumam alimentos com vinhos mais leves, com menos estrutura e corpo (vinhos brancos ou tintos jovens, por exemplo) e conclui, “Para apreciar um vinho, o ideal é servir na temperatura certa, meia taça, sentir o aroma e então degustar. Deixe essa sensação aquecer a alma e alegrar o espírito”.

Eduardo Tartaro explica que as temperaturas adequadas e as harmonizações podem ajudar na experiência, mas que o importante é a bebida ser apreciada da maneira que cada um julgue melhor para si, da forma que mais gostar. Para ele, algumas dicas simples – como a questão de temperatura indicada - para iniciantes podem ser levadas em consideração. “Vinhos brancos em geral pedem a temperatura de serviço entre 8 e 10 graus aproximadamente, os mais jovens podem ser servidos em torno de 4 graus, temperatura indicada para os espumantes em geral. Os tintos leves ficam melhores se servidos em torno de 14 e os mais encorpados, 18 graus”, explica. “Para servir os tintos, uma dica prática é colocar a garrafa fechada deitada na geladeira, na prateleira de baixo, por 30 a 60 min. No caso dos brancos, na prateleira de cima por umas 2 horas antes de servir ou mergulhar a garrafa em um balde apropriado com gelo e um pouco de água. Neste caso, em apenas 30 min o vinho ficará ideal para consumo. O mesmo pode ser feito com os espumantes, mergulhando a garrafa no gelo por quase uma hora ficam perfeitos”, conclui o supervisor.

 

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